Para quase um terço dos pacientes com hemofilia e quase todos os pacientes com doença de Pompe, seu próprio sistema imunológico é o maior obstáculo ao tratamento.
Quando recebem proteínas e enzimas essenciais, o corpo dos pacientes percebe os tratamentos como uma ameaça e ataca.
A boa notícia é que pesquisadores acabam de desenvolver um novo tratamento que usa uma técnica que eles chamam de “vacinação reversa” para submeter o corpo a uma exposição prévia aos medicamentos e construir uma tolerância imunológica.
O novo tratamento combina proteínas e enzimas essenciais com a lisofosfatidilserina (Lyso-PS), um ácido graxo que ajuda o sistema imunológico a tolerar substâncias estranhas, reduzindo reações adversas aos medicamentos.
A Doença de Pompe é uma doença genética e hereditária que causa fraqueza muscular progressiva, podendo afetar adultos e crianças. Ela ocorre quando o organismo produz pouca ou nenhuma enzima alfa-glicosidase ácida, responsável por quebrar o açúcar glicogênio e produzir energia – por isso a doença também é conhecida como Glicogenose tipo II.
A hemofilia A também é um distúrbio genético e hereditário, mas afeta a capacidade de coagulação do sangue, normalmente controlada por uma série de fatores que agem em sequência, até se formar um coágulo e o sangramento ser interrompido. Pessoas com Hemofilia tipo A têm deficiência do fator VIII (oito), enquanto pessoas com Hemofilia do tipo B têm deficiência do fator IX (nove).
Vacina reversa
Ao contrário da vacinação tradicional, que usa a pré-exposição a um patógeno para ensinar o sistema imunológico a atacar ameaças no futuro, a vacinação reversa usa a exposição para ensinar o sistema imunológico a ignorar substâncias estranhas, mas com potencial benéfico – mais especificamente, medicamentos.
Além dos bons resultados contra a hemofilia e a doença de Pompe, a equipe descobriu que a vacinação reversa é uma técnica mais ampla, ou seja, o tratamento pode ser desenvolvido e aplicado a uma ampla gama de terapias medicamentosas, doenças autoimunes e até alergias.
“A segurança e a eficácia de várias drogas terapêuticas que salvam vidas são comprometidas pelos anticorpos antidrogas. Uma vez que os anticorpos se desenvolvem, as opções clínicas disponíveis para os pacientes se tornam caras e, em vários casos, ineficazes,” explica o Dr. Sathy Balu-Iyer, da Universidade de Buffalo (EUA).
“Em vez de tentar reverter os anticorpos antidrogas, o que é altamente desafiador, os tratamentos clínicos que previnem o desenvolvimento de anticorpos podem ser uma estratégia mais eficaz. Nossa abordagem é baseada no raciocínio de que a pré-exposição de uma proteína na presença de Lyso-PS ensina o sistema imunológico a não montar uma resposta,” detalhou seu colega Nhan Hanh Nguyen.
A dupla acaba de receber um financiamento do Empire Discovery Institute para prosseguir a pesquisa. Se os testes clínicos tiverem êxito, a instituição se comprometeu a licenciar a tecnologia e levar o tratamento para o mercado.
Checagem com artigo científico:
Artigo: Rational design of a nanoparticle platform for oral prophylactic immunotherapy to prevent immunogenicity of therapeutic proteins Autores: Nhan H. Nguyen, Fiona Y. Glassman, Robert K. Dingman, Gautam N. Shenoy, Elizabeth A. Wohlfert, Jason G. Kay, Richard B. Bankert, Sathy V. Balu-Iyer Publicação: Nature Scientific Reports Vol.: 11, Article number: 17853 DOI: 10.1038/s41598-021-97333-0